8 de set. de 2009

O sujeito do sobretudo

Um dia, subindo a rua para o meu antigo trabalho, eu reparei numa figura muito peculiar: um sujeito que estava usando sobretudo, chapéu (daqueles tipo detetive de filme noir) e óculos escuros de lentes pequenas e redondas, um cavanhaque daqueles que junta bigode e barba, e um rabo-de-cavalo curto, aquele cotoco que fica suspenso no ar. Estranhei apenas o fato de que era um dia muito quente para um sobretudo, mas imaginei que ele deveria ter algum motivo pra estar usando aquilo.

No dia seguinte esbarrei na mesma figura (não dá pra ignorar). Estava usando exatamente a mesma roupa.

Dias depois, descobri que o encontrava sempre no caminho porque trabalhava no mesmo prédio que eu. Com a atenção aguçada a partir de então, reparei que ele ia trabalhar todos os dias exatamente com a mesma roupa. Todos os dias, invariavelmente, com sol ou chuva, de janeiro a dezembro.

Acrescento à descrição, para completar: sobretudo, calça e chapéu eram cinza escuro, e a camisa social e o sapato eram pretos.


No calor diário: isso + 30kg + cavanhaque - gravata + rabo-de-cavalo + óculos escuros

O sujeito, com essa aparência, ganhava um ar meio misturado de detetive, gângster e figurante de Matrix. O rabo-de-cavalo, cavanhaque e o fato dele ser um pouco gordinho, porém, quebravam qualquer charme.

Pois bem, trombei com ele de novo hoje, no supermercado (ele deve morar perto de mim, por isso a coincidência do caminho). Estava usando a mesma roupa. Chapéu e sobretudo para fazer compras num lugar quente e lotado, num dia muito quente.

Conheço pessoas que adquiriram certas manias. Uma colega, depois de casar, pegou mania de limpeza - o que não tinha nada a ver com a personalidade dela. Outra, daquelas porra-loucas (ou "porras-loucas"?), mudou de país e após um tempo não conseguia mais andar se não fosse de sapato de salto (que provavelmente nunca tinha tido antes). Ora, eu próprio não sou um exemplo de equilíbrio, ou não faria terapia.

Mas ao ver aquela figura de novo fiquei imaginando o que na vida de alguém faz a pessoa chegar ao ponto de vestir uma outra persona 24h por dia. Isso é diferente daquele papel social que todo mundo interpreta todo dia. Ninguém é totalmente transparente, molda-se de acordo com a situação e algumas vezes passsa o dia comportando-se praticamente como se fosse outra pessoa. Um vendedor, por exemplo: não importa se o bicho tá pegando em casa, tem que parecer feliz e cheio de energia para vender aquele eletrodoméstico.

Mas o sujeito do subretudo é diferente. Ele levanta, todos os dias, e literalmente veste uma personalidade. Fico intrigado pensando como ele vê o mundo enquanto caminha. Será que na sua cabeça, enquanto ele anda pela cidade ele cria uma voz de narrador que conta o que ele estava pensando? E desperta de repente, quando ouve uma sirene de ambulância, imaginando que a qualquer momento Al Capone vai passar seguido pela polícia de Chicago? Ou não, pensa que está vivendo num mundo criado por uma máquina para nos iludir, que estamos apenas dentro da Matrix? Ou nada disso, tem pensamentos comuns como todo mundo, mas por algo que nem ele mesmo sabe explicar (mas Freud sim), apenas se sente confortável, disposto a ser visto, quando usa aquele conjunto específico de peças de roupa e cortes de cabelo (que na verdade praticamente o escondem completamente)?

Ele está disposto a ser visto, isso é fato. Mais do que isso, mesmo que ele não saiba, ele QUER ser visto, e identificado como algo que na verdade somente ele consegue identificar. E certamente sabe dessa sensação de dúvida e curiosidade que causa, com o que secretamente se diverte.

Eu, sinceramente, apenas espero que ele tome pelo menos dois banhos por dia no verão, ou não entro no elevador com ele.

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